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O RIDÍCULO PRO
Saulo Quaggio-PY2KO / Carlos Verre Neto-PY2MCK
Esta é uma descrição do projeto de um transmissor AM à válvula e dos motivos que nos
levaram a ele. Na verdade, um só motivo, porque só por diversão vale a pena quebrar a
cabeça com uma tecnologia do tempo da pedra nesta época de smartphones e redes
wireless... Há bastante tempo venho discutindo com o Neto PY2MCK e o Percival PY2EWP
sobre as vantagens e desvantagens da modulação por grade screen versus placa.
Modulação em screen é coisa de pobre, meia-boca, como diz o Guilherme PY2UP. Mas é
possível que o motivo da impopularidade seja o fato de que é bem difícil fazer a coisa
funcionar direito, diferentemente da tradicional modulação em placa. Achamos que bem
projetado, o equipamento pode ficar mais leve, menor e mais barato do que um modulado em
placa da mesma potência. Já há alguns por aí muito bons, como o do João PY2CBN e o do
Raia PY2NN. Resolvemos verificar na prática, projetando e montando um transmissor a
partir do zero com o objetivo de conseguir um aparelho que possa ser montado por qualquer
colega com boa habilidade, despendendo o mínimo de dinheiro, tempo e dores de cabeça.
Ficou por minha conta o projeto eletrônico, e o Neto bolou o layout, a mecânica e fez a
montagem. (duas vezes, porque na hora de botar pra funcionar fiz tantas modificações no
circuito original que acabei desmontando tudo e montando de qualquer jeito, vamos ter
agora de passar a limpo)
Vamos às vantagens conhecidas da modulação screen:
1- Não há transformador de modulação, peça pesada e difícil de conseguir 2- Menor
número de válvulas e soquetes, peças raras hoje em dia 3- Menor tamanho e peso, devido
aos fatores acima
E as desvantagens:
1- Mais difícil de projetar e ajustar 2- Válvulas de RF maiores para a mesma
potência de saída 3- Necessidade de reduzir a potência da portadora nos intervalos sem
modulação
Este último fator é o que levantou mais dúvidas. Se o AGC do receptor do outro lado
da linha for de decaimento rápido, como acontece em boa parte dos receptores antigos,
pode gerar reclamações de que o áudio dá pulos, ou distorce. Esta é uma questão que
só pode ser resolvida na prática: fazendo o melhor transmissor possível, com boa
resposta de áudio, sem distorções nem sobremodulação, e vamos ver o que os colegas
nos dizem.
A conveniência de redução da portadora sem áudio, ou portadora controlada, vem do
fato que ao contrário da modulação em placa, onde a válvula de saída de RF trabalha
sempre com eficiência máxima, na modulação em grade essa eficiência só é conseguida
nos picos positivos de áudio. Embora opere em classe C, quando o sinal modulador decresce
a eficiência cai para valores bem baixos. Por exemplo, para uma potência de saída PEP
de 400W, o rendimento nos picos é da ordem de 85%, mas com a potência reduzida para
100W, que seria a portadora sem modulação, a eficiência cai para 40%. Daí a potência
de dissipação na placa vai para 150W. Uma válvula desse tamanho modulada em placa
agüenta fácil uma portadora de uns 500W ou 2000W PEP ! Esta é uma situação parecida
com o uso de um amplificador linear para AM, onde dificilmente se pode conseguir o valor
da portadora igual a ¼ da PEP máxima do amplificador sem torrar as válvulas.
Portanto pra não gastar uma válvula dessas (algo como uma 813) num transmissorzinho
de 100 watts, o jeito é reduzir a portadora na ausência de modulação para coisa de 15
watts, que devido a eficiência baixa ainda dissipa uns 90W.
Esses valores são na verdade os que escolhemos para o Ridículo Pro. Começei por
produzir uma planilha de cálculo onde se pode entrar com a potência PEP, a dissipação
de placa e a tensão DC, e daí obter a potência da portadora controlada e outros
cálculos úteis. Esta planilha Excel está em anexo e os valores "default" em
vermelho podem ser alterados à vontade e com isso exercitar as possibilidades do
Ridículo e mesmo orientar outros projetos. A planilha eliminou muito do processo de
tentativa e erro, que além de trabalhoso pode não levar ao melhor resultado. (A quem
interessar, posso explicar a calculeira envolvida e outras dúvidas, meu email é:
saulo@auttran.com.br)
Escolhemos usar duas PL509 por serem relativamente fáceis de obter, (ainda são
produzidas em série!) tem boa dissipação de placa, 45 watts cada uma, e corrente de
catodo de sobra. Se a portadora suprimida para 15 watts incomodar os colegas, pode-se
reduzir o valor PEP para 300W e consequentemente aumentar a portadora controlada para 30
W, não tão longe do que seria a portadora equivalente de 75W. Aqui inventamos uma
nomenclatura nova: a "portadora equivalente", que seria a potência da portadora
de um transmissor modulado em placa para um mesmo valor PEP alcançado pelo nosso
Ridículo. É razoável supor que o valor PEP é quem define a inteligibilidade numa dada
condição de propagação e ruído, e não a portadora. O projeto prevê o ajuste da
portadora e da impedância de carga, permitindo experimentar qual a relação
PEP/portadora mais conveniente, inclusive ajustar para portadora ¼ do valor PEP,
idêntico a modulação em placa. Neste caso o valor PEP deverá ser de 260W , portadora
de 65W, ainda bem mais do que um Delta 210.
Esquema do estágio de RF e fonte de alimentação:
(clique no texto abaixo para fazer download)
>>> Esquema do transmissor (PDF)
>>> Esquema da fonte de alimentação (PDF)
>>> Relação de material (Word)
O ESTÁGIO DE SAÍDA RF
Essas válvulas de TV tem uma desvantagem, que são as altas capacitâncias entre os
eletrodos. Por isso, e também porque ninguém mais opera em AM nas faixas altas, o
Ridículo Pro somente cobre as faixas de 40 e 80 metros. O valor escolhido da tensão de
trabalho é de 900 volts, definido pela corrente de pico máxima das PL509. Poderíamos
usar um valor mais alto, mas isso iria criar dificuldade na obtenção dos capacitores
variáveis. Além disso essas válvulas tem a tendência de dar flashover, mesmo depois de
serem "cozinhadas" por um bom tempo. Tenho 2 delas com um furo no vidro, antes
de botar um resistor em série com a alta tensão. A planilha também calcula os valores
para o indutor do circuito PI e os capacitores váriaveis. Devido às citadas
capacitâncias das válvulas, foi necessário neutralizar o estágio de potência,
através de C9 e C33. Este último é um "padder" de mica que permite o ajuste
da neutralização, evitando o uso de um capacitor variável de pequeno valor e alta
tensão, bastante difícil de conseguir. Este circuito não é propriamente um
neutralizador, mas sim um "isolador": A ponte formada pelo divisor capacitivo C9
e C33, de um lado, e a capacitância grade-placa e grade-catodo do outro, quando
equilibrada iguala as tensões de RF nos dois lados do circuito ressonante de grade
anulando o efeito das capacitâncias parasitas da válvula sobre ele.
A comutação de faixa é efetuada por uma chave rotatória cerâmica de três seções
(achável em sucatas), que coloca em curto parte do indutor do circuito PI em 40 metros,
ao mesmo tempo que comuta os dois estágios anteriores. Alguns cuidados foram tomados na
montagem, como manter uma boa distância e blindagem entre as bobinas anteriores e o
tanque final, e utilizar cabos coaxiais em conexões longas de RF.
A alta tensão não é desligada nunca e as PL509 são mantidas em corte durante a
recepção pela aplicação de 100V negativos nas grades screen. Notem que em 80 metros o
LC sintonizado em 40m permanece no circuito. Isto é possivel porque em 80m a impedância
desse LC é bastante baixa comparada com a do LC de 80m. Optamos por ajustar as
indutâncias por meio de núcleo de ferrite, evitando capacitores ajustáveis
"trimmers" de difícil obtenção hoje em dia.
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VFO
Trata-se de um manjado oscilador Clapp. Tomamos o cuidado de utilizar capacitor
variável de boa qualidade e capacitores fixos de mica prateada, conseguindo razoável
estabilidade de frequência, da ordem de 200Hz/hora depois do aquecimento. A planilha
calcula com bastante precisão os valores dos capacitores e do indutor para a cobertura da
banda especificada, eliminando a trabalheira de ajustar por tentativa e erro. Utilizamos
um indutor com núcleo de ferrite para o ajuste fino da centralização no dial. O VFO foi
construído dentro de uma caixa metálica para evitar realimentações indesejáveis de
RF. A bobina dobradora na placa do VFO também exigiu blindagem. A banda calculada para o
VFO vai de 3,545MHz até 3,655MHz, cobrindo apenas as seções de AM das bandas. A
cobertura da banda toda obrigaria a ter um controle de sintonia no circuito de grade das
PL509, complicando a montagem e a operação. A válvula 12BY7 demonstrou ser uma boa
escolha, fornecendo a potência necessária para excitar o próximo estágio. Em 80 metros
a carga de placa da 12BY7 é aperiódica, um choque de RF em série com o circuito LC
ressonante em 7,2MHz, cuja impedância nessa frequência é muito menor que a do choque e
não afeta. Em 40 metros a chave curto-circuita o choque e prevalece a ressonância do
circuito LC, dobrando a frequência na placa do VFO e grade do excitador. A cobertura em
40m é portanto 7,09 MHz a 7,31 MHz.
ESTÁGIO EXCITADOR
Tive de determinar a potência correta de excitação na prática, porque não existem
as curvas de corrente de grade em classe C para as PL509, que não foram projetadas para
este uso. A potência de excitação tem de ser suficiente para garantir 100% de
modulação em toda a banda e eficiência alta. Como não há capacitor variável de
sintonia de grade e a corrente de grade das PL509 precisa atingir no mínimo 20mA em toda
a faixa, optamos por uma 6BQ5, que fornece uns 8W de RF. Para obter corrente de grade o
mais constante possivel tive de abrir mão da polarização negativa fixa, portanto a
corrente de placa das PL509 dispara na falta de excitação. O corte delas na recepção
é garantido aplicando 100 volts negativos na grade screen.
ÁUDIO E MODULADOR
O duplo triodo amplificador de microfone eleva o sinal de um microfone a cristal até o
nível necessário para excitar a válvula moduladora, e é aqui que se processa o efeito
de portadora controlada: O potenciômetro TP2 ajusta o nível de tensão das grades screen
na ausência de audio, que é de alguns volts para a portadora de 15W. Quando aparece o
sinal de áudio na grade do triodo da 6GV8, a grade torna-se positiva, conduz e o sinal de
áudio é retificado, criando um valor médio negativo. Este sinal leva o triodo no
sentido do corte, elevando a tensão no resistor de carga R17. O sinal de áudio somado ao
valor DC retificado é aplicado à parte pentodo da 6GV8, que é um seguidor de catodo,
portanto a tensão nas screen das PL519 sobe até proximo aos 200v, correspondendo à
potência máxima de saída PEP. Desaparecendo o audio, a tensão moduladora decresce com
a constante de tempo R24 C36, retornando a potência ao nivel de 15W. O pentodo é
conectado como triodo, com a screen ligada à placa e ambas aos +300V. Esta válvula foi
escolhida pela sua alta corrente de placa com tensão zero na grade de controle: A medida
que o sinal de audio no catodo sobe, aumenta a corrente nas screen das PL509, e a máxima
tensão de catodo conseguida coincide com o ponto em que a grade torna-se positiva
(também em relação ao catodo) e passa a conduzir. No caso da 6GV8, este ponto é da
ordem de 200v para uma corrente de 300mA, suficiente para modular 100% o estágio de
potência com folga. A potência zero nos picos negativos de audio é conseguida pela
conexão do "terra" do modulador aos -100V. Nesses picos a tensão nas screen
das PL509 aproxima-se de zero. As polarizações foram ajustadas para que a potência de
RF nunca chegue totalmente a zero, evitando distorções por corte do ciclo negativo. A
tensão de RF somente atinge a saturação nos picos positivos e de forma relativamente
suave, de modo que mesmo com excesso de áudio a distorção comporta-se como uma
compressão de áudio bastante suportável.
FONTE DE ALIMENTAÇÃO
Foram utilizados 2 transformadores com a carga dividida para reduzir a altura. Não
havendo problema de espaço pode-se ter um único. A tensão de 600V é obtida por um
retificador de diodos conectados em ponte sem choque de filtro, do mesmo modo que a fonte
de 300V que alimenta o resto do circuito. A sintonia do circuito PI tem de ser feita para
a potência máxima PEP, e para não defumar o "shack" com o cheiro dos
transformadores, a tensão de 600V é utilizada durante a sintonia, ao mesmo tempo em que
as grades screen são alimentadas pelos 300V através de R20. Deste modo o estágio final
pode ser sintonizado para cerca da metade da potência PEP, ajustando o valor da
impedância de carga necessário. Durante a operação em AM as duas fontes são ligadas
em série por S2B, obtendo-se 900V. A tensão de alimentação AC dos filamentos em série
das PL509 é retificada em ponte para obter a tensão de -100V. Uma válvula reguladora a
gás 0B2 mantém a tensão de 150V estável para o VFO, que pode ser ligado durante a
recepção pela chave S2 para ajuste de batimento zero.
COMUTAÇÃO T/R
O interruptor de 2 polos 2 posições S3A ativa a linha de + 300V na transmissão e a
conecta aos -100V durante a recepção. A outra metade de S3 é acessível no conector CN1
para o "muting" do receptor. A antena é comutada pelo relé K1, que também
aterra a saída para o receptor quando em transmissão, atuado pela ativação da linha de
300V. O interruptor S2B, tambem de 2 polos 2 posições, conecta a fonte de 600V em série
com a de 300V durante a operação AM, e direto durante a sintonia. A outra seção
conecta as grades screeen das PL509 ao modulador quando em AM e aos 300V durante a
sintonia.
MONTAGEM
A caixa foi feita em aço inox, o que não recomendamos nem aos inimigos. Fica bonito,
mas é um material duro e difícil de trabalhar, o melhor mesmo é alumínio. As válvulas
de baixa potência foram montadas sobre uma placa de circuito impresso, mas as ligações
são ponto a ponto. Um problema que teve de ser resolvido foi a proximidade dos circuitos
dos três estágios na chave comutadora de banda S1, que pode causar instabilidade.
Resolvemos isso levando as conexões das bobinas até a chave por meio de um cabo coaxial
de 75 ohms, do qual foram retirados alguns fios do condutor interno para reduzir a
capacitância. Um outro modo seria ter relés próximos às bobinas, comutados pela chave
S1. Apesar do alto ganho dos 3 estágios na mesma freqüência o amplificador demonstrou
ser bastante estável.
MEDIÇÕES E AJUSTES
Os ajustes são convencionais, sintonizando-se os indutores para máximo sinal no
centro da faixa para as duas bandas. O indutor do VFO é ajustado para uma
"folga" simétrica nos extremos da faixa, já que o dial não é calibrado. O
ajuste mais chato é o de neutralização: Com o VFO no centro da banda de 40 metros,
deve-se ajustar o padder C33 de forma que o máximo valor da corrente de grade das PL509
(ou a tensão sobre R14) coincida com o "dip" da corrente de placa, durante a
sintonia da carga. Este ajuste é interativo com o indutor L5, que deve ser mantido sempre
no ponto de máxima corrente de grade. Por outro lado, o ajuste não é muito crítico e
só para valores bem fora é que acontecem instabilidades. As velhas PL509 comportaram-se
melhor do que o esperado. Um bom osciloscópio, um gerador de áudio, um atenuador de RF
calibrado e uma carga de 50 ohms ajudam muito para decobrir qualquer problema e mesmo para
medir a PEP de RF, igual a tensão de pico elevada ao quadrado e dividido por 100.
OPERAÇÃO
Com S2 no modo CW, ajustar o PI para a o "dip" de corrente em 350mA, que
corresponderá a potência PEP de 400W nos picos de modulação. A seguir, mover S2 para a
posição AM e ajustar o potenciômetro TP2 para 15W de RF. Aí é monitorar num receptor
para o ajuste do ganho de microfone. Se tiver na bancada um medidor de potência PEP,
pode-se variar a potência de pico ajustando a carga, não esquecendo de controlar a
portadora: Mais potência PEP, menos portadora. Pode-se usar a planilha ou observar a cor
das válvulas...
DESEMPENHO
As reportagens não tem sido grande coisa, principalmente pela qualidade do áudio: o
microfone Aiwa M23 não agrada muito aos ouvidos exigentes da turma do AM. Mas pelo que
pudemos constatar nas excelentes gravações do René PY2NVD e pelos comentários dos
colegas, é difícil detectar o efeito da portadora controlada sem olhar para o S-meter!
Nada de distorções, rasposidades e puff-puffs "característicos" da
modulação screen. Certamente o ruído na recepção aumenta nos intervalos sem audio,
mas isso não parece incomodar a maioria. Um áudio mais trabalhado deverá melhorar
bastante a percepção de qualidade. O equipamento esquenta à beça, porque as válvulas
estão quase o tempo todo na condição de dissipação máxima. Não chegamos a medir,
mas acredito que o rendimento médio global seja bem menor do que o da modulação em
placa, como os cálculos indicam. Mas o peso do aparelho certamente é menor, e o tamanho
também, embora não tenham sido a nossa preocupação neste projeto. Quanto à
potência... bom, não é um QRP, mas também não é um par de 813. Por outro lado, a
relativa simplicidade e o custo baixo do projeto parecem ser uma boa para quem quer
começar no AM empunhando o ferro de solda, ou ter um rádio mais leve para operar na
praia.
Quem mais se habilita a montar um Ridículo?
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